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O campo de futebol do Estádio Beira-Rio, do Internacional, completamente submerso sob as águas do Guaíba: mudanças climáticas agravam exponencialmente as consequências da falta de planejamento ambiental e infraestrutura hídrica e de saneamento. AP Photo/Carlos Macedo

Depoimento: prevenção e conscientização poderiam ter minimizado catástrofe ambiental no Rio Grande do Sul

Na última semana, o estado do Rio Grande do Sul se transformou em um cenário desolador, ocasionado pelas chuvas excessivas. O problema afeta todo o estado, que tem hoje 2/3 dos seus municípios em estado de calamidade pública.

A causa imediata das enchentes decorre dos elevados índices pluviométricos, que resultam no transbordamento de rios, lagoas, córregos, diques e barragens. Mas o problema vai muito além das causas naturais: a ocupação desordenada do solo, o desmatamento e a impermeabilização das áreas urbanas agravam a situação, tornando as cidades mais vulneráveis às inundações.

Foto mostra ruas debaixo d'água. Só a parte mais alta de um viaduto está acima das águas. Ao lado, prédios e casas.
Visão aérea do centro de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, após pessoas serem evacuadas, em 05 de maio. Renan Mattos/Reuters

Eu atuo como professor da Universidade Federal do Pampa – Unipampa, no Campus da cidade gaúcha dc Alegrete, onde temos pesquisadores que estudam os fenômenos climáticos e seus efeitos, e que podem contribuir na formulação de políticas governamentais de proteção ao meio ambiente e na elaboração de projetos que possam mitigar os efeitos adversos das chuvas e outras anomalias do clima.

A tragédia vista de perto

Eu estive nos últimos quinze dias em viagem a trabalho na Europa e na África e, ao retornar ao Rio Grande do Sul, deparei-me com a maior catástrofe ambiental ocorrida no estado. Eu morei por muitos anos em Porto Alegre, estou há dez anos em Alegrete e posso dizer que nunca tinha visto nada igual.

O quadro no estado supera a enchente de 1941, a mais grave até então. Os impactos das enchentes vão de perdas materiais, riscos à vida, a danos aos ecossistemas aquáticos e terrestres, causando a morte de animais, destruição da vegetação e contaminação dos recursos hídricos. Ocorrem também impactos aos serviços públicos básicos, como água potável e eletricidade.

No meu retorno a Alegrete, partindo de Porto Alegre, no dia 3 de maio, só consegui chegar ao meu destino por um intervalo de poucas horas. No meio do caminho, soube da interdição do Aeroporto Salgado Filho e da Rodoviária de Porto Alegre por tempo indeterminado.

O presidente da República e parte dos seus ministros já estiveram duas vezes no estado em menos de 3 dias, haja vista a gravidade da situação e a necessidade de uma ação urgente por parte dos nossos governantes de todas as esferas: municipal, estadual e federal.

Mapa do Brasil mostra todo o estado do Rio Grande do Sul em vermelho, o que representa risco muito alto de eventos hidrológicos
Todo o estado em risco: mapa do Cemaden mostra a possibilidade de ocorrência de eventos hidrológicos em ao menos um município das mesorregiões indicadas. Cemaden

De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), o estado do Rio Grande do Sul ainda tem a possibilidade muito alta de novas ocorrências hidrológicas, devido à permanência das inundações e ao aumento do nível fluviométrico em vários municípios, decorrente do deslocamento da onda de cheia, dos acumulados de chuva dos últimos dias e das condições de saturação do solo.

A Bacia do Lago Guaíba recebe a água que se desloca pela onda de cheia das bacias a montante, todas em situação acima da cota de transbordamento, o que agrava muito a situação da capital gaúcha. O muro da Mauá, que é parte de um sistema de proteção contra cheias, foi projetado para suportar 6 metros de elevação do Lago Guaíba, que já se encontra em 5,35 metros, maior nível já registrado.

Mapa mostra área da cidade de Porto Alegre. Boa parte da cidade está marcada em vermelho, indicando maior risco de inundação
Mapa da Defesa Civil mostra região afetada pela precipitação pluviométrica em Porto Alegre (mancha vermelha é área de maior risco de inundação) Defesa Civil RS

As águas já estão extravasando o muro e a situação não é mais caótica em função do retardamento da entrada da água que a estrutura do muro e comportas da Mauá impõem, diferentemente do corrido na região do Taquari, onde a inundação se deu de forma mais abrupta.

Mapa do Brasil mostra boa parte do Rio Grande do Sul marcado em amarelo, representando regiões com risco geológico moderado
Preocupação com o deslizamento de encostas: mapa do Cemaden mostra possibilidade de deslizamentos em ao menos um município das mesorregiões (e/ou subdivisões regionais) indicadas. Cemaden

Outra situação que preocupa a todos é o deslizamento de encostas e, de acordo com o CEMADEN, há a possibilidade de ocorrência de movimentos de massa (em amarelo, na figura ao lado) nas Mesorregiões Metropolitana de Porto Alegre, Centro Ocidental e Centro Oriental Rio-Grandense, devido aos elevados acumulados de chuva registrados na última semana. Neste cenário, ainda podem ocorrer deslizamentos, tanto em encostas urbanizadas como em encostas naturais, além de eventuais quedas de barreira à margem de estradas e rodovias, mesmo em períodos sem chuva.

Prevenção e mitigação

As enchentes que temos observado no Brasil representam um desafio constante para a população, as autoridades e os órgãos ambientais. A adoção de medidas preventivas eficazes é fundamental para reduzir os impactos desses eventos naturais e evitar sua reincidência.

O planejamento urbano sustentável, o investimento em infraestrutura, o monitoramento climático, a educação ambiental e a recuperação de áreas degradadas são algumas das ações que podem contribuir para a prevenção e o controle das enchentes. A conscientização da sociedade, a participação ativa das comunidades e o engajamento dos governantes são essenciais para garantir a segurança e o bem-estar da população frente a esse desafio ambiental.

A recorrência de enchentes como a que enfrentamos hoje mostra que é imprescindível adotar medidas para mitigar os seus impactos. Algumas das ações que podem ser implementadas incluem:

1. Planejamento Urbano Sustentável: Promover um planejamento urbano que leve em consideração a preservação de áreas verdes, a implantação de sistemas de drenagem eficientes e a proibição de construções em áreas de risco.

2. Investimento em Infraestrutura: Investir em sistemas de saneamento básico, como redes de esgoto e de captação de águas pluviais, para prevenir o acúmulo de água e o transbordamento de rios e córregos.

3. Monitoramento Climático: Implementar sistemas de monitoramento climático e de alerta precoce, que permitam prever a ocorrência de chuvas intensas e tomar medidas preventivas com antecedência.

4. Educação Ambiental: Promover a conscientização da população sobre a importância da preservação ambiental, do descarte correto de resíduos e da redução do consumo de recursos naturais, visando a minimização dos impactos das enchentes.

5. Recuperação de Áreas Degradadas: Realizar a recuperação de áreas degradadas, como margens de rios e nascentes, por meio de projetos de reflorestamento e conservação da biodiversidade, contribuindo para a redução do escoamento superficial da água.

Diante desse cenário, é fundamental adotar medidas preventivas eficazes para minimizar os impactos das enchentes e evitar sua reincidência. Nos últimos anos, temos nos deparado com fenômenos climáticos sem precedentes e todos eles com efeitos extremamente danosos.

No Rio Grande do Sul, estamos enfrentando a maior enchente de toda a história. Mas, se nada for feito, seguramente outras virão.

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